O Outro Lado do Paraíso

A história do filme "O Outro Lado do Paraíso" começa em 1963, com uma imagem que, sem ter nada a ver com automóveis, já impressiona pela qualidade visual: o protagonista que vem a cavalo, de longe, quando a câmera fecha nas patas do animal, que levantam poeira naquela estrada de terra. Só isso já me fez achar que o filme seria muito bom.

Para um chato como eu – para filmes, bem entendido –, a maior diversão ao assistir um filme de época é procurar detalhes posteriores a essa época. Principalmente se estiverem relacionados a automóveis. O Outro Lado do Paraíso, no entanto, passou com louvor nessa prova. A primeira cena com automóveis mostra um DKW, bem à vontade em relação ao período da história porém com um "defeitinho" que poderia causar horror aos amantes dos motores dois tempos: o ronco do motor, certamente aplicado posteriormente, é o de um motor quatro tempos.

A cena seguinte com um veículo é a do protagonista buzinando para a família, que está dentro de casa, para mostrar seu novo caminhão Chevrolet "Boca de Sapo", provavelmente do ano 1950 ou 1951. A buzina é do tipo "bi-bi", daquelas de Fuscas, o que não condiz com a forte buzina "fom-fom" original do caminhão. Tudo bem, poderia ter sido trocada. Mas em uma cena posterior, com o capô aberto, podemos ver duas enormes buzinas antigas mais apropriadas para o veículo do que a que ouvimos. Tá bom, o caminhão poderia ter duas buzinas. Mas ainda acho que foi novamente uma aplicação sonora feita depois.

Em uma rápida aparição, já em Brasília, um Fusca beje adequado para a época ostentava as rodas do Karmann-Ghia 1967, ou seja, posterior á sua época. Leve deslize. Infelizmente não consegui obter boas fotos desses veículos. Na cena com um do jipe do exército, no entanto mostra um 1951. Não sei se o exército ainda tinha jipes assim antigos em 1964.

Mesmo com esses pequenos deslizes, o filme é ótimo. Estreou neste mês de junho e pode ser uma ótima escolha para quem gosta de ir ao cinema. A história de fundo, com a fuga do presidente João Goulart e a tomada do poder pelos militares, apoiados pelo governo norte-americano, nos aguça a curiosidade de lembrar como era a situação política do Brasil naquele tempo, para fazer um paralelo com a nossa situação atual. As cenas reais de época, tiradas dos documentários “Brasília –  Contradições de uma cidade nova” de Joaquim Pedro de Andrade, e de Jean Manzon, são destaques, principalmente para quem, como eu, gosta de imagens antigas. Saiba mais sobre o filme lendo o texto de divulgação:

O ano era 1963. O Brasil vivia um período turbulento, com o governo em crise, o Congresso em chamas, denúncias de corrupção na imprensa e um golpe a caminho. Neste país dividido, um brasileiro anônimo, Antonio Trindade, entusiasmado com as propostas de reformas do presidente João Goulart, sai de Minas Gerais com mulher Nancy Emediato e três filhos para tentar realizar em Brasília, cidade ainda em construção, o maior sonho de sua vida: achar o paraíso na terra.
Esta história real – baseada em livro autobiográfico de Luiz Fernando Emediato – serviu de tema para “O Outro Lado do Paraíso”, segundo longa-metragem de André Ristum, que estreia nacionalmente em junho, depois de ganhar 12 prêmios em vários festivais no Brasil e no exterior. Naquele turbulento início dos anos 60, tendo renunciado o presidente Jânio Quadros, Antônio Trindade (Eduardo Moscovis) viajava incessantemente pelo interior de Minas Gerais obcecado com o sonho de achar a terra bíblica de “Evilath”, onde tudo seria perfeito, e ao mesmo tempo lutar para melhorar a vida de sua gente.
A história se desenvolve a partir da narração de Nando (Davi Galdeano), o filho de 12 anos. É ele – numa mistura de admiração, amor, dor, orgulho e tristeza – quem conta a história do pai, encantado com sua “loucura”. Também este menino tem seu sonho: ser escritor. E é através desses olhos e desta voz sensível que a ação transcorre, com o pai buscando seu futuro na oferta de trabalho em Brasília e nas reformas de base propostas pelo presidente Jango.
A mulher Nancy (Simone Iliescu), antes tão solitária por causa das andanças do marido, parece encontrar um porto seguro. A filha adolescente Suely (Camila Márdila, de “Que horas ela volta”), apaixona-se por um jovem soldado, Ricardo (Iuri Saraiva). Nando divide-se entre a saudade da menina que deixou em Minas, para quem escreve incessantes cartas, e a independente e atrevida Iara (Maju Souza), filha da professora Iolanda (Adriana Lodi), que encoraja o estudante tímido do interior a buscar conhecimento nos livros, o que ele faz estimulado também pela alfabetizadora de adultos Marina (Stephanie de Jongh), discípula do educador Paulo Freire.
Mas o sucesso de Antonio no trabalho, os amores de seus filhos Suely e Nando e as esperanças da mãe Nancy são interrompidos dramaticamente em 1964, com o Golpe Militar. A paradisíaca “Evilath” do brasileiro Antonio arruína-se com a chegada dos generais. Antonio e seus principais companheiros (padre Alberto, interpretado por Murilo Grossi, e o sindicalista Jorjão, por Flavio Bauraqui) são presos. O avô Simeão Emediato (Jonas Bloch) vai buscá-los. Fim de linha?
– Depende – diz Luiz Fernando Emediato. – Contado assim, parece um romance de formação, um menino candidato a escritor descobrindo o amor e a vida enquanto o pai inquieto divide-se entre a obsessão bíblica de achar a terra prometida e a luta política pela libertação, ainda que não fosse comunista. Para mim, é algo maior. É preciso ver o filme para entender, no final, a metáfora do sonho. E perceber com algum espanto que, assim como em 1964, o Brasil está hoje diante do mesmo abismo. O paraíso existe ou é possível de ser construído? Como? Existe saída para nosso impasse secular? É disso que esse filme trata. De possibilidades e impossibilidades. Da maneira mais simples possível, encontrada magicamente pelo diretor André Ristum.
Para contar a saga de Antonio pelos olhos do filho, a produção do filme – dividida entre a Mercado Filmes, de Nilson Rodrigues, e a Geração Entretenimento, do próprio Emediato – teve de construir uma cidade cenográfica de quase 20 mil m² nos arredores de Brasília, além de usar bastante computação gráfica para reconstituir parte de Brasília como ela era – em plena construção – há 50 anos. Foram usadas também imagens históricas do documentário “Brasília –  Contradições de uma cidade nova” de Joaquim Pedro de Andrade e outras, jornalísticas, de Jean Manzon, até então jamais exibidas – imagens dramáticas dos tanques de guerra e dos soldados nas ruas de Brasília, São Paulo e Rio, logo após o golpe militar ter sido deflagrado, no madrugada do dia 1º de abril de 1964.
– As imagens de “Brasília – Contradições de uma cidade nova” integram-se às do filme, dando ainda mais consistência e verdade às imagens ficcionais e recriadas na filmagem e pós produção” – diz o diretor André Ristum. – A isso se somou a descoberta das imagens dramáticas de Jean Manzon, que cobriu o dia do golpe com suas câmeras de cinema em Brasília, no Rio de Janeiro e em Brasília e jamais as exibiu, possivelmente por temor de represálias. Elas revelam cenas de grande dramaticidade e violência.
A cidade cenográfica reconstitui parte de Taguatinga, na época um aglomerado de barracos de madeira em ruas empoeiradas na periferia do Distrito Federal e hoje uma cidade de porte médio. Foi lá que viveu, em 1963, a família de Emediato. O filme tem uma trilha sonora impactante, composta especialmente por Patrick De Jongh, e a ela se somou a participação especial de Milton Nascimento, que toca sanfona, violão e cavaquinho e pontua algumas cenas com seus famosos vocalizes, além de interpretar uma canção original, composta também por De Jongh. “O Outro Lado do Paraíso” ganhou o prêmio de melhor filme do júri popular no Festival de Gramado e outros sete prêmios no Festival de Brasília, o Troféu Câmara Legislativa, incluindo melhor filme na escolha do público, melhor ator (Davi Galdeano), melhor atriz (Simone Iliescu) e Melhor Roteiro. Ainda recebeu os prêmios de Melhor Filme, Melhor Atriz (Maju Souza) e Melhor Filme pelo Júri Popular Jovem no Festival Latino-americano de Trieste, na Itália e o Premio Radio Exterior de Espanha, ao longa metragem que melhor reflita a realidade latino-americana, no Festival Latino Americano da Catalunha, em Lleida na Espanha.
Com distribuição da Europa Filmes, o longa tem patrocínio da Petrobras, dos Correios, do FAC - Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal -, do Banco Original (do Grupo JBS) do Banco BMG, da BB DTVM (subsidiária do Banco do Brasil), do Banco PAN, da AMBEV, da Usina São Domingos e da MRV Engenharia. Contou também com recursos do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual.

 

 

 

 

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